quinta-feira, 19 de junho de 2014

Kurikalá e as torres de pedra


No início de fevereiro fui à São Paulo para três dias de trabalho. Aproveitei a estadia para visitar a editora Moderna/Salamandra e estreitar os laços que haviam começado no início do ano. Foi uma manhã super agradável. Kurikalá estava fincando raízes. Voltei para casa certo de duas coisas: 1) convidaríamos a Lúcia Brandão para ilustrar essa nova história e 2) se ela topasse, claro, teríamos um belo livro. Após cinco meses. Estou aqui para dizer que, sim, tinha razão todo aquele sentimento.



Mas voltarei um ano no tempo para contar como tudo começou: janeiro de 2013, estávamos em férias, eu e a família, em Pirenópolis (GO). Último domingo daqueles dias livres. Resolvemos voltar à Cachoeira do Rosário, um local a cerca de 40km do centro da cidade. Parte do caminho é de asfalto. Outra parte, de terra. No aproximar da cachoeira, começamos a ver torres de pedra, como as da imagem acima. Obras de Demócrito, o proprietário. Um cara mais que gente boa. E de bem com a natureza.


Naquele dia nem Demócrito, nem Jackliny, sua esposa, estavam por lá. Mas eu senti que havia uma história no ar. Agucei os sentidos e passei o dia em busca do "algo a mais" que iria despertar aquela história. De fato, após um banho de cachoeira, uma trilha no cerrado, um almoço bem goiano e um sono bem dormido deitado na rede, já a tardinha, a história chegou. Voltei para casa, em Brasília, construindo e memorizando frases enquanto dirigia o carro, feliz com a ideia que se derramava. No dia seguinte, o primeiro esboço estava pronto. Era o tempo de deixar o texto amadurecer até se transformar no que chega agora ao olhar dos leitores. Em linhas gerais, Kurikalá e as Torres de Pedra conta a história de um menino caboclo, filho de mãe Karajá, que mora às margens do Rio das Almas, pertinho de Pirenópolis, e tem uma relação singular com a Natureza. 


A querida Lúcia Brandão aceitou o convite e fez um trabalho rico em estudos da cultura Karajá e a fauna e flora do cerrado. É só abrir o livro para entrar num mundo de rara beleza pois seu traço é ímpar e conquista nosso olhar como se ao virar a página a gente abrisse a janela de manhãzinha para deixar entrar o dia. Daqui, eu espero que as palavras que escolhi alcancem a boniteza da arte de Lúcia. E sigam em harmonia. Mas o que desejo mesmo é que o livro emocione os leitores. Como aconteceu há dois meses, quando tive a oportunidade de mostrar o PDF do livro para o filho de Demócrito, num outro passeio à Cachoeira do Rosário (que recomendo sempre). Mais uma vez, seu pai e sua mãe não estavam lá. Mas o jovem, de 20 e poucos anos, eriçou os pelos dos braços e encharcou os olhos sem deixar a lágrima cair. Eu vi. Portanto, que o livro siga emocionando. Que o livro seja mais uma semente para um mundo com mais Kurikalás. 
Pois bem, ontem, Kurikalá e as Torres de Pedra (il. Lúcia Brandão, Salamandra) chegou aqui em casa. E eu fiquei um tempo parado, sentado à mesa, olhando o novo filhote (o 13º) com o carinho e paixão como se ele fosse o primeiro. Ali, na primeira página, um menino sentado na rede olha para o horizonte e orna o texto que diz: "Da varanda, Demócrito espreita a tarde no horizonte. Pensa em aproveitar a sombra das árvores para comer frutas colhidas no pé e passear ao som do canto dos pássaros". E fui, junto com aquele menino passeando pelas histórias do povo Karajá enquanto ele fazia suas torres de pedra. Hakuna Matata!!!